Introdução
A Telemedicina virou uma prática comum devido à pandemia e, ao que tudo indica, chegou, para ficar. De acordo com dados compilados pela revista Exame, cerca de 1,7 milhão de atendimentos à distância foram realizados de abril a agosto de 2020. Ciente do impacto dessa e de outras mudanças no setor da saúde e aproveitando a passagem do Prof. Sergio Meyer Portugal por João Pessoa, para ministrar, no mês de fevereiro, um curso sobre “Transformação Digital na Saúde”, em conjunto com a H. Forte e a Fundação Dom Cabral, a Medicalys Saúde entrevistou o Professor, para saber mais sobre essa (r)evolução.
Perguntas
MEDICALYS – Como está sendo inserida a transformação digital na área de Saúde e de que forma a tecnologia melhora o seu atendimento?
PROF. SERGIO MEYER – Nesse sentido, é importante pensarmos na forma como os médicos são educados hoje pela maioria das escolas de Medicina, que é a mesma forma de décadas atrás. Então, temos que bater palmas para os médicos que estão correndo atrás, para que a transformação digital aconteça do ponto de vista técnico e de gestão. Porque, realmente, existe uma dificuldade muito grande, considerando a base de formação deles. Isso é louvável e existiu, claro, uma certa resistência inicial, que foi rompida, principalmente, por causa da pandemia. Para grande parte dos médicos, isso ficou muito claro: as tecnologias, quando bem aplicadas, de forma ética, respeitando-se a privacidade dos clientes, pode ser muito produtiva. Claro que isso varia muito em relação a cada uma das especialidades médicas. Mas, hoje, o modelo híbrido ou o phygital (Físico e Digital), bem como vários outros setores trabalham assim, de forma muito fluída entre o físico e o digital, tudo em um mesmo contexto. O que importa é o valor percebido pelo paciente, ele perceber que está sendo atendido de forma personalizada, customizada e com a atenção devida. A tecnologia pode ser aplicada de várias formas, então, existem algumas tecnologias, como a Inteligência Artificia (AI) e alguns dispositivos, como os próprios smartphones, que se tornaram revolucionários nesse sentido. Hoje, o smartphone é praticamente uma extensão do nosso corpo, passiva ou ativa. Passiva no sentido de que, se existir algum sensor conectado ao nosso corpo e ao smartphone, conseguimos fazer o monitoramento dos nossos sinais vitais em tempo real. Essa tecnologia tende a ficar, cada vez mais, barata, acessível e incorporável pelos players de saúde.
Do ponto de vista dos pacientes, também houve uma necessidade de choque forçosamente por causa da pandemia, tiveram que fazer um trabalho junto aos profissionais de saúde: trabalhar a questão da telemedicina, que é medicina à distância. Há outras formas de falar em telemedicina, telemonitoramento, teleconsulta, teleorientação e teleatendimento. Assim, em relação à Inteligência Artificial, a partir do momento em que a saúde é um dos setores que mais geram volumes de dados, com maiores valor, volume e variedade, desde que sejam dados anonimizados, ou seja, não identifiquem o paciente, o médico ou o profissional de saúde, esses tipos de dados, em grande volume ou individualmente, podem revolucionar o seu posto de saúde. Nesse caso, se pensarmos um pouco nas “big techs”, como Google, Facebook, Amazon, Apple e em outras que estão trabalhando justamente a capacidade de processamento de dados, a partir do momento em que inserem esse conhecimento na área da saúde, trazem um ponto de alerta muito forte para os estabelecimentos de saúde e para negócios tradicionais de saúde, que podem aprender com elas como trabalhar esses dados de forma mais especifica e produtiva.
2 – Percebemos que durante a pandemia houve um aumento no número de consultas em telemedicina, mas, com a volta dos atendimentos ambulatoriais, isso voltou a diminuir, mesmo em grandes centros. Onde você acredita que está o ponto de equilíbrio desse tipo de atendimento?
Estamos aprendendo, nesse momento, mais uma vez. Forçosamente, a pandemia nos levou pensar sobre isso, os profissionais de saúde, os pacientes e os organismos responsáveis pela regulação, como o Conselhos Federais de Medicina e as associações estaduais de Medicina, estão observando as melhores práticas. Então, nós temos que pensar um pouco na questão da jornada de atendimento, pensando nas etapas: pré-consulta, consulta e tratamento e pós-consulta e tratamento. Nessa jornada, quais pontos por especialidade, por enfermidade médica, onde é possível entrar com a parte digital, com a transformação digital e com as tecnologias digitais e onde o presencial ainda é fundamental, o toque médico, o contato com o médico. Então, nesse caso, vai haver uma variação, de acordo com cada especialidade, mas eu acho que não tem volta de haver esse modelo híbrido com as duas aplicações: o físico e o digital.
3 – Atualmente vemos, em todas as áreas, o surgimento de startups que resolvem problemas de forma inovadora, rápida e, muitas vezes, com baixo custo. Na área da saúde, contudo, elas ainda são poucas. Onde você vê essas startups inseridas no futuro?
É importantíssima essa questão, assim como em vários outros setores, as “FinTechs” agora há pouco, no setor financeiro, estão começando a fazer uma revolução nesse setor, a própria XP Investimentos, apesar de não ter começado exatamente como uma startup, trouxe um cultura completamente diferente do setor financeiro, que também é muito tradicional, como o da saúde. Trouxe uma revolução, está crescendo e, hoje, já
é um dos maiores players financeiros que há no mercado, com cerca de 20 anos de atuação.
Portanto, na área de saúde, eu acredito que o caminho vai ser mais ou menos o mesmo, é um setor, assim como o financeiro, bastante regulamentado, apesar das especificidades, já que estamos trabalhando com a saúde das pessoas, a qual é muito sensível. Mas as startups vão trazer o que? Vão olhar para determinadas áreas que não estão sendo bem atendidas e vão atender, já estão atendendo, farão melhor que os estabelecimentos atuais.
Em relação ao número de startups, é interessante que, em 2018, ou seja, 3 anos atrás, havia cerca de 250 chamados (termo não compreendido) registrados no Brasil, hoje já temos mais que o dobro, e a pandemia ajudou a acelerá-los, porque uma série de aceleradoras e de investidores começaram a olhar com maior atenção para esse tipo de setor, que chamou a atenção, devido a sérias deficiências no setor da saúde. Então, o que pode ser bastante interessante é um trabalho de “corporate ventura” de ou inovação aberta das grandes organizações, para que possam juntar-se às startups, respeitando a cultura das startups, não as sufocando, e as startups respeitando também, obviamente, a cultura das grandes organizações, a fim de que elas possam-se juntar. A partir disso, a corporação aprenderá com a cultura da startup, fortemente a cultura da inovação ágil, a renovação de permanente valor, validação de (termo não compreendido) contínuas, de empoderar o colaborador da organização, então, novas formas de liderança, tudo isso pode ser muito bem trabalhado, para que as duas possam ganhar juntas, e o mercado brasileiro de saúde também possa ganhar, já que o mais importante é que os negócios possam prosperar, porém, para prosperar, tem que se entregar valor ao cliente, entregar o melhor atendimento possível ao paciente
4 – Se você pudesse dar um conselho aos médicos e profissionais da saúde. Como eles poderiam estar preparados para a transformação digital na área da saúde?
Isso é bacana, porque a gente tem aí a questão das novas gerações chegando, as gerações já chegaram plugadas no digital, então, muitos desses profissionais médicos, se não têm filhos ou netos dessa geração, têm sobrinhos etc. Vale a pena conversar, ouvir e sentir como eles pensam, bem como entender a relação deles com serviços, não só de saúde, obviamente, serviços, de forma geral. Como eles esperam um atendimento mais customizado, personalizado, imediatista, é uma característica que não pode ser mudada, não tem jeito, é a nova geração que está chegando plugada no digital, por meio dos dispositivos.
Assim, deve-se compreender, por meio dessa vivência, mas também ter uma série de conteúdos, cada vez mais, acessíveis, com uma linguagem muito tranquila, os quais eles podem pegar, como livro sobre cultura ágil, transformação digital, Lean Startup, além da sugestão de uma tendência muito forte, a micro certificação, com cursos de curta duração e de muita qualidade, para se adquirir uma noção clara dos princípios de uma transformação digital, os quais devem ser compreendidos por esses profissionais, para que possam começar a puxar a sua equipe, para criar essa cultura juntos.
5 – Hoje existe uma atenção maior à prevenção, a Medicina, antes inteiramente curativa, voltada ao tratamento das doenças, hoje, preocupa-se com a manutenção da saúde. Quais os novos papéis dos hospitais nesse contexto? Como a tecnologia pode ajudar nisso?
A questão da migração do tratamento e da cura para a prevenção e a educação é fundamental. Isso é interessante para o setor de saúde e, se pensarmos friamente no todo, na cadeia, pensarmos como um negócio, um paciente saudável, dependendo dos modelos de negócios que forem estabelecidos por todos os players de saúde, inclusive os hospitais, pode ter mais valor para as organizações de saúde que um paciente doente. Entretanto, tem que existir um equilíbrio, porque claro que para o hospital, muitas vezes, existe um interesse maior que o paciente faça o tratamento por meio do modelo que atualmente existe. Porque isso é que vai gerar o faturamento, a internação, a re-internação e tudo mais, apesar de que, obviamente, os profissionais de saúde querem o melhor para o paciente, que ele tenha uma qualidade de vida. Do ponto de vista dos planos de saúde, às vezes, querem o menor uso, a menor sinistralidade possível, porque isso é melhor para o negócio deles.
Portanto, o equilíbrio desse negócio é que faz parte de um rearranjo que deve acontecer nesse setor, há alguns modelos sendo testados, em algumas partes do mundo, inclusive no Brasil, da remuneração do valor gerado para o paciente, ou seja, como o paciente percebeu, como foi tratado por todos os players envolvidos naqueles processos junto a ele, buscando principalmente a saúde dele, e não o tratamento da doença.
Os hospitais e os planos de saúde, podem-se reunir, para encontrar formas que sejam atraentes para os dois. E, nesse processo, o trabalho e a interoperabilidade de dados entre os players da saúde (planos de saúde, clínicas, hospitais etc) é fundamental, para que eles possam encontrar os “insides” de como gerar o maior valor possível para o paciente final. O novo papel dos hospitais, nesse contexto, é fundamental, porque os hospitais tornam-se pontos de busca da saúde e não mais apenas do tratamento, a concentração de profissionais especializados, para que possam, conjuntamente, mostrar ao paciente como eles podem, de forma presencial, à distância e em várias vertentes da saúde, manter a saúde e o bem-estar da melhor forma possível.
6 – Prof Meyer, gostaríamos de presentear nossos leitores com uma orientação muito importante. Qual (ais) atitude (s), utilizando-se tecnologia, você considera de alta eficácia na aproximação de profissionais da área de saúde a seus paciente?
É interessante, porque, se pensarmos em especialistas médicos, nós temos o pediatra, que já, há algum tempo, principalmente depois que surgiu o WhatsApp, mas antes, quando só tinha o telefone, mesmo o telefone fixo, era altamente acionado, à distância, pelos pais das crianças. Então, os pediatras têm muito o que dizer sobre isso, dentro da própria Medicina, logo, devido à característica de uma especialidade médica houve uma experiência em relação a isso.
O que deve ser buscado, obviamente, é como monetizar, como remunerar o médico, para que não haja um abuso, porque todos nós, como profissionais, independentes da
área da saúde, sentimos que, devido à tecnologia, se não houver respeito à privacidade de quem está se comunicando por meio dela, passamos 24 horas do dia em contato.
Com isso, deve haver um regramento em relação a isso, já que está sendo experimentado agora. Períodos do dia, micro pagamentos por hora, são exemplos de regramentos, bem como por hora consultada do médico, o que já existe. Então, o médico cobra sua hora de atendimento, sua consulta. Porque não a gente começar a extrapolar isso para uma consulta on-line também? Dessa forma, tem que haver um custo, uma agenda de atendimento, um valor pago ao médico, uma agenda respeitada dentro do horário comercial, seja o que for, cabe ao profissional de saúde ou ao estabelecimento definir qual será essa agenda de atendimento. Porém, eu acho que deve haver, independente do físico e do digital, o bom senso, tanto na parte de pagar pelo serviço do médico, que seja justo para o paciente, quanto na existência de uma agenda especifica para essa questão.
Então, voltando, o pediatra tem uma boa experiência para colocar isso, todos nós vivemos isso já no nosso dia a dia.
7 – Quais são ou serão as principais tendências em tecnologia na área da saúde, nos próximos anos?
É muito interessante, porque há muitas tecnologias. Estava lendo uma matéria do professor e pesquisador Cezar Taurion, referência nessa área de Inteligência Artificial, que é, muitas vezes, aplicada à saúde. Ele disse que “em 2040 (ou seja, daqui a 19 anos) nós iremos olhar para a Medicina de hoje como hoje olhamos para a Medicina da Idade Média”, ou seja, 600 anos atrás. Então, a tecnologia crescerá nessa exponencialidade, e com as variadas e emergentes ferramentas que temos à disposição, teremos um futuro muito bom em vários aspectos.
Temos também a questão dos dados, por exemplo. Eles são fundamentais ao gerenciamento dos serviços de saúde, garantindo o anonimato do paciente e do profissional, permitindo extrair somente as informações que realmente podem ser trabalhadas. Quando se obtêm esses dados e os aplicam a uma camada de “analytics” com inteligência artificial, fazendo a identificação de determinados padrões e de determinadas enfermidades, ajudando os profissionais de saúde a aumentar a inteligência, tem-se conceito de “inteligência aumentada”, porque a máquina hoje faz e desempenhará, cada vez mais, determinadas tarefas que o ser humano, mesmo se juntasse toda a humanidade, não teria a possibilidade de processar como as máquinas fazem. Essa é a capacidade de processar grandes volumes de dados e de encontrar padrões a partir disso, mas as máquinas também não têm uma série de características humanas, como a questão da abstração, da sensibilidade, do contato humano, então, a soma dessas duas inteligências deve ser muito bem trabalhada. Eu sugiro fortemente aos estabelecimentos e aos médicos que hoje ainda não trabalham com inteligência artificial que iniciem um trabalho nesse sentido, por mais que a inteligência artificial
esteja sendo experimentada nesse momento, porque esse conhecimento que está sendo construído será muito importante.
Outra questão que é fundamental e que casa de novo com a questão dos dados são os wearables, que é todo e qualquer dispositivo tecnológico que pode ser usado como acessório ou pode ser vestido: relógios, pulseiras, camisas, adesivos etc. Você os coloca com sensores, e, cada vez mais, apresentam custos cada vez menores. Esses dispositivos captam uma série de dados e de sinais vitais do nosso corpo, como temperatura, batimento cardíaco, nível de glicose e mais. Então, isso já está sendo experimentado em várias frentes, o que, para mim, será a grande revolução, junto à questão do trabalho dos dados. A combinação big data com inteligência artificial vai mudar completamente a Medicina, porque aí realmente podemos trabalhar a questão da prevenção, da predição e da proatividade do paciente, que exige participar, cada vez mais, do cuidar da sua saúde. Logo, o paciente virá para o centro do processo mais fortemente e isso é fundamental para adoção de novas tecnologias.
Portanto, abordando a inteligência artificial, wearables, que estão um pouco relacionados à internet das coisas, conduz-nos para a base da 4ª revolução digital, que é basicamente a conexão entre o digital, o físico e o biológico, e a saúde tem tudo, para se beneficiar desses três pilares.
Assim, em minha opinião, acredito que essas são as tendências centrais. Além disso, temos a questão da impressão 3D, de material que emula estruturas ósseas e reposição de pele. Há também a questão dos órgãos, com a própria célula do paciente consegue-se reproduzir órgãos que não apresentem restrição ou problemas de implante no corpo. Ademais, temos outro fator, como a manipulação genética, juntamente à computação quântica, que nos próximos 5 anos vai começar a trazer uma capacidade de processamento de dados gigantesca, aliada à inteligência artificial, e trará conhecimentos novos, essa é a exponencialidade que possibilitará uma série de procedimentos, permitindo uma grande revolução na área de Saúde. Aí eu volto à questão do Cezar Taurion, que diz que os próximos 20 anos serão determinantes, para mudar muitas coisas que conhecemos e o que ainda descobriremos, nessa área.