Ser operado com o auxílio de um robô é de um nível de excelência e um padrão de modernidade na Medicina. Os primeiros modelos chegaram há 10 anos no Brasil. Porém, embora haja um rol de exigências que traz segurança e confiabilidade à modalidade, ainda há quem duvide da segurança da cirurgia realizada por meio de um robô, mesmo com essa gama de processos e de estudos existentes em torno do tema.
Na edição inaugural da Revista Medicalys, não poderíamos deixar de convidar um dos expoentes da Medicina brasileira na atualidade. Dr. Rafael Coelho é o mais experiente cirurgião em cirurgia robótica da América Latina e considerado um dos melhores do mundo. Já realizou cerca de 5 mil cirurgias, em sua grande maioria, para o tratamento do câncer. Tamanha experiência adquirida foi apenas mais um motivo para que ele, que também é professor da USP, chefie a equipe de urologia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), maior complexo hospitalar da América Latina. Além disso, suas contribuições para a ciência e para a melhora do tratamento do câncer já contam com mais de uma centena de pesquisas publicadas em revistas médicas internacionais.
MEDICALYS
Dr. Rafael, sabemos que o senhor foi um dos precursores do uso da cirurgia robótica, no Brasil, e tem sido o tutor de muitos outros médicos cirurgiões para que possam replicar as técnicas. Qual o estado atual da cirurgia robótica no Brasil? Quantas plataformas há e como estão distribuídas?
DR. RAFAEL
Temos 75 robôs em 14 estados. Entretanto, há uma grande concentração deles no sudeste do país, onde também se concentram a maio- ria dos cirurgiões habilitados. Existe um potencial enorme de expansão da tecnologia no nosso país, o que deve acontecer após vencermos as barreiras de custo e de treinamento de cirurgiões.
MEDICALYS
Dr. Rafael, apesar do nome cirurgia robótica, ela não é feita pelo robô, depende de um cirurgião experiente para a sua utilização, cor- reto? Quais os benefícios que este tipo de cirurgia traz, de modo geral, quando comparado às outras técnicas?
DR. RAFAEL
Exatamente. A plataforma robótica é um avanço da cirurgia laparoscópica, oferecendo imagem magnificada tridimensional, filtro do tremor do movimento, e os braços são articulados, reproduzindo os movimentos da mão humana com 7 graus de liberdade. Dessa forma, tornou-se possível realizar procedimentos cirúrgicos complexos de maneira minimamente invasiva. Isso se traduz para o paciente em menor tempo de internação, em menos dor e no retorno mais precoce às atividades habituais. Especificamente, no caso da prostatectomia (cirurgia para tratamento do câncer de próstata), um cirurgião muito experiente consegue minimizar riscos de incontinência urinária e disfunção erétil. A cirurgia ainda é realizada por um cirurgião, o robô é apenas mais uma ferramenta. Com um cirurgião inexperiente, os resultados da cirurgia robótica podem ser até inferiores aos da cirurgia aberta tradicional.
MEDICALYS
Quais são as principais cirurgias realizadas com essa tecnologia?
DR. RAFAEL
O robô pode ser utilizado em cirurgias urológicas, do aparelho digestivo, ginecológicas, torácicas, cardíacas e de cabeça e pescoço. O maior volume de cirurgias robóticas, na América Latina, dá-se na área da urologia, para tratamento do câncer de próstata, de rim e de bexiga.
MEDICALYS
Apesar de hoje a cirurgia robótica ser algo mais comentado no Brasil, em outros países, como nos Estados Unidos, a implementação dos robôs iniciou-se com mais força a partir dos anos 2000. A que o senhor considera que se deve essa demora?
DR. RAFAEL
Temos duas barreiras: custo e treinamento. Apesar de recentemente novas plataformas estarem próximas de chegar ao mercado, até o momento, só temos uma plataforma disponível no Brasil. Trata-se de um monopólio de 20 anos. O equipamento é importado dos EUA, e a alta do dólar prejudica a importação e o custo final. A outra barreira é o treinamento. Com o alto custo, poucos robôs estão dispo- níveis na rede pública e em hospitais de ensino. Assim, temos poucos cirurgiões com real habilitação e experiência em cirurgia robótica no país. Muitos hospitais adquirem a Plataforma, mas tem dificuldade no treinamento adequado do corpo clínico.
MEDICALYS
Estamos atravessando uma pandemia causada pela Covid-19, e, sabendo que o senhor realiza cirurgias de alta complexidade em pacientes com câncer, qual foi o impacto causado na sua prática médica?
DR. RAFAEL
Foi considerável, pois os pacientes deixaram de procurar atendimento de rotina. Estima-se que pelo menos 50 mil diagnósticos de câncer deixaram de ser realizados neste período. Isso se refletirá no tratamento e prognóstico destes pacientes. As chances de cura devem reduzir e haverá um enorme impacto à qualidade de vida, devido ao retardo diagnóstico.
MEDICALYS
Qual a sua visão de futuro quando falamos de cirurgia robótica, ou seja, como acredita que estaremos no Brasil daqui a 10 anos?
DR. RAFAEL
Com o surgimento de novas plataformas robóticas, deve haver redução do custo e aumento do número de robôs no país. Quem sai ganhando com isso são os pacientes que terão amplo acesso a esta tecnologia e seus benefícios.
MEDICALYS
E para os novos robôs que virão, quais são as possíveis tecnologias que poderão ajudar médicos e pacientes?
DR. RAFAEL
A tendência é o surgimento de robôs miniaturizados, a cirurgia por um único portal (incisão única) e o uso de métodos de imagem avança- dos para navegação durante a cirurgia, tornando os procedimentos, cada vez mais, precisos e menos invasivos.
É excitante pensar na revolução tecnológica que a medicina irá sofrer nas próximas décadas e o quão excelente será para os pacientes que se beneficiarão dessas tecnologias.
O robô pode ser usado em cirurgias urológicas, do aparelho digestivo, ginecológicas, do tórax, cardíacas e de cabeça e pescoço.”
